O Parcial resgatou um velho gênero jornalístico: a novela.
O bom e velho romance folhetim, que entrou em crise logo no início
da expansão radiofônica agora está de volta nas páginas deste jornal. Felipe Baierle
Capítulo I
Acordou ao lado de uma mulher que odiava. Seria um sonho? Como poderia estar ali ao lado daquela pessoa? Sempre a odiou. A mulher tinha cabelos castanhos claros que também poderiam ser chamados de semi-loiros. Estava totalmente nua.
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O corpo pelancudo, cheio de decrepitudes talhadas pelo tempo, resistia sem mácula apenas em uma parte: o cabelo. Parecia de ferro. O laquê imperava solene, ainda que espantado pelo furor da noite anterior.Os corpos jogados sobre a cama redonda estavam em formato de cruzes quando Eduardo abriu os olhos.
Ele virou para o lado e não pode evitar o espanto ao notar que aquela odiosa celebridade era muito mais feia pessoalmente do que na TV. O braço dela servia docemente de travesseiro para outro cara. Além de feia era extremamente safada. Os indícios eram de que ela havia passado a noite ocupadíssima com os dois homens. Eduardo pensou sobre os boatos da personalidade da ilustre dama.
Dizia-se que criava animosidades entre todos. Isso não parecia verdade aos olhos de quem visse tão perfeita harmonia naquele leito de motel. Muitas horas da memória de Eduardo haviam sido apagadas.
A única coisa que sabia era que deveria dar o fora dali, e logo. A velha e o homem quarentão pareciam prestes a acordar. Como não conseguia encontrar suas roupas, decidiu vestir as do careca que ainda dormia. Pegou uma camisa social branca perfeitamente dobrada ao lado da cama.
O frio obrigou Eduardo a furtar também o paletó do homem. Na pressa não notou que aplicado milimetricamente sob o bolso deste, estava preso um crachá.
"Palácio Piratini
Vice Governador
Paulo Antônio Feijão"
A pressa é inimiga da perfeição, mas dessa vez Eduardo não ligou nem um pouco em ser imperfeito. Saiu do quarto deixando seus dois companheiros de farra para trás. Seu corpo doía profundamente. Cada paço mais rápido era acompanhado por fisgadas musculares. Saiu pela porta sem fazer ruído. Ele estava perdido dentro daquele motel luxuoso.
No entanto, ironicamente seus instintos sabiam por aonde ir. “Talvez meu subconsciente ainda lembre o caminho que fiz ontem à noite”, refletiu. Chegou então em uma garagem anexa ao quarto de motel no qual passou a noite.
Lá encontrou seu carro. Era um fusca vermelho-sangue que destoava de todo aquele ambiente burguês. Mesmo a garagem do motel seguramente valia mais do que a casa de “Saga”, como os amigos chamavam Eduardo Sagaz. Outros dois carros se encontravam ali. Em ambos figuravam bandeirinhas do Estado do Rio Grande do Sul.
Cada vez o rapaz se assustava mais. O hálito do poder rodeava o local. Seu fusca cantou pneus ao sair da garagem. Um portão austero bloqueava a saída para a rua. “O que fazer?”. Olhou para os lados e não viu ninguém. Pedir ajuda estava fora de questão. Chamaria muita atenção. “Preciso sair daqui, mas COMO!”.
O portão parecia intransponível e assim mesmo, diante do desespero da situação, só havia uma coisa a fazer. A marcha do fusca foi bruscamente realocada para a posição R. O fusca deu ré por cerca de vinte metros. Suas intenções eram óbvias. Tentaria derrubar o portão. Em um bairro central da cidade, várias pessoas aguardavam a chegada do rapaz chamado Eduardo Sagaz. Estavam apreensivas.
Preocupadas. Esperaram notícias durante toda noite. Na sala apertada de um apartamento ao estilo Juscelino Kubitschek o Jornal do Almoço dava as últimas notícias. Por alguns instantes todos pareceram esquecer-se do companheiro ausente.
O tele-jornal parecia a casa da sogra. Duas âncoras apresentavam muito sérias as últimas notícias sobre uma manifestação popular. “Hoje pela manhã, centenas de manifestantes rurais marcharam até um supermercado da rede Wal-Mart e depredaram o local.
A Brigada Militar rapidamente chegou ao local e prendeu diversas pessoas.”Logo depois, com a maior naturalidade do mundo as âncoras do mencionado tele-jornal passaram a discutir com um entrevistado, jogador de futebol. “Como podem trocar de um assunto tão diferente para outro? Deve ser piada” indignou-se uma menina do grupo.
O que surpreendeu Alice foi ver aquelas senhoras, de um programa, que se julga sério, fazendo pose ao vivo para tirar fotos. Parecia um bando de adolescentes na porta do colégio. Uma das âncoras até fez um V com os dedos.
A foto foi pedida por um jogador do Internacional, mesmo time das apresentadoras. Lembrava uma paródia de outro programa da TV aberta, o “Estúdio Pampa”. Todos estavam cansados ao extremo. As horas em claro castigaram a resistência do grupo.
Os quatro estudantes de Ciências Sociais consumiram litros de café preto durante a espera. Ao menos os dois rapazes. As moças preferiram tomar um suco natural feito com laranjas não transgênicas. Todos esperavam Eduardo chegar.
Ele estava demorando muito mais do que o combinado. A pergunta, ainda sufocada nas gargantas era uma só: Saga teria falhado na parte mais crucial do plano? Três baques surdos na porta soaram no ambiente amarofado do apartamento, retirando o grupo de pensamentos insólitos.
“Deve ser ele!”, gritou Amandinha sobressaltada. “Espera, e se não for? Não devemos esquecer as regras”, sentenciou Aurélio. “Qual é a senha?” perguntou o vozeirão do estudante do quarto semestre de Ciências Sociais.- É a polícia, abra a porta!
CONTINUA...
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