Saúde: público X privado
Mauricio Bosquerolli
A questão da saúde é um tema de debate constante. Às vésperas das eleições municipais, em que muitos candidatos farão promessas milagrosas, e após duas décadas da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), O Parcial conversou com o médico e ex-secretário municipal da saúde em Porto Alegre Lúcio Barcelos. Especialista em saúde pública, Barcelos analisa a situação atual do setor e alerta: “Existe um problema central, estrutural no sistema de saúde no Brasil”.
O Parcial – Qual o principal problema da saúde no Brasil hoje?
Lúcio Barcelos - A abordagem, que via de regra é feita, mesmo pelo pessoal que trabalha na área da saúde, é uma abordagem que para mim é limitada, ela é conjuntural. Todas as entidades ligadas à área da saúde, médicos, enfermeiros, odontólogos, enfim, pessoal de nível intermediário fazem um movimento focando o problema na questão do financiamento do sistema de saúde, como se resolvido o problema do financiamento, se resolvesse o problema da saúde no Brasil, combinado isso com o problema de gestão. Existe uma ineficiência na gestão, ela é ineficiente, ineficaz e existe uma insuficiência de recursos. Tem um camarada que usa muito essa fórmula de eficiência-eficácia, o Gilson Carvalho, que é um pediatra de Campinas, que é um velho militante da área da saúde que combina muito essas duas questões. Todo o movimento tem como foco essas duas questões: financiamento e gestão. Eu parto de um pressuposto de que isso são decorrências, esses são problemas conjunturais. Eles existem e precisam ser resolvidos, mas tem um problema anterior que é o problema ligado à estrutura, à natureza do sistema. O sistema brasileiro tem uma vocação, pela Constituição Federal, de ser um sistema, e isso está na constituição federal, e isso vem da experiência de alguns países europeus que o Brasil copiou, de que o sistema de saúde no Brasil deveria, ou é e deve (ser) um sistema de saúde universal. Ou seja, todo cidadão brasileiro, independente de qualquer situação, tem direito de acesso à saúde. E à saúde não só assistência do ponto de vista mais imediato, a questão da consulta, do exame, da medicação, mas da saúde do ponto de vista mais amplo, entendendo a saúde como qualidade de vida, envolvendo aí a promoção, a prevenção, todas as outras políticas que permitem que as pessoas tenham um nível de saúde mais qualificado. Então, tem um problema preliminar, em relação ao financiamento e à gestão que é o problema da natureza do sistema.
O Parcial – E o SUS foi implementado como previu a constituição?
Lúcio Barcelos – Em 1988, quando houve um movimento dos trabalhadores para colocar na constituição que o sistema de saúde no Brasil seria universal, integral, as duas coisas. Ele é direito de todo cidadão e ele é integral, cada cidadão tem direito a tudo que abarca a questão da saúde. Isso foi formulado, foi aprovado na constituição de 88, foi reafirmado, regulamentado na Lei 8080, que é a Lei Orgânica da Saúde, ela regulamenta todo SUS. Nesse processo de definição de que o sistema seria um sistema único e de natureza pública, e um dever do Estado e um direito do cidadão, isso implicaria em que o Estado brasileiro, na época o governo que estava na época, 88-90, fizesse um movimento no sentido de ou colocar recursos para construir um sistema predominantemente público, ou seja, o Estado colocar dinheiro e construir hospitais públicos, fábricas de medicamentos, fábricas de equipamentos, toda essa estrutura que envolve a questão da saúde. Se o Estado tivesse feito isso e deixado o setor privado, a indústria da saúde de lado e tivesse construído um sistema público, a partir do pouco que tinha, ou feito um outro movimento de desapropriar, encampar um pedaço, uma parte do sistema privado, permitindo que o sistema público fosse majoritário e fosse predominante. A constituição prevê que os dois coexistam, mas ela diz que o sistema público é prioritário. O sistema privado é complementar ao público. Acho que é o artigo 199 que diz isso: pode haver a iniciativa privada, pode trabalhar na área da saúde, porém, ela é complementar ao público. Só que isso de fato, concretamente, não ocorreu.
O Parcial – E como estão distribuídos os leitos hospitalares?
Lúcio Barcelos – Vamos dar um exemplo: no RS, 75% dos leitos hospitalares são privados e 25% apenas são públicos. Em nível nacional, o dado que eu tenho é que 64% dos leitos são privados e o restante é público, 36% é público. Isso, evidentemente, se estende para outras áreas. Não é só o leito hospitalar que tem esse tipo de proporção. Isso se repete na área de prestação de serviço de meio diagnóstico, ou seja, todo esse grupo de gente que trabalha com serviços que fazem diagnóstico de imagem, raio X, tomografia, ressonância, proporcionalmente isso está muito mais na mão privada, do que na área pública. Em Porto Alegre, tem um fenômeno interessante. Em Porto Alegre, nós temos mais leitos públicos do que privados. São em torno de 5500 leitos e proporcionalmente em torno de 55 ou 56% dos leitos são públicos. Então tem menos leitos privados do que públicos. Porém, os leitos privados produzem mais dinheiro do que os leitos públicos. Isso mostra claramente que, mesmo em Porto Alegre tendo mais leitos públicos, os leitos privados estão concentrados naquelas áreas que pagam melhor. Tem menos leitos privados, mas eles arrecadam mais, cobram mais, o custo deles é maior para o sistema do que os públicos.
O Parcial – Quais alternativas são viáveis para o SUS?
Lúcio Barcelos - Se nós não fizermos um movimento social, um movimento dos trabalhadores, uma grande mobilização que force, ou que a gente tenha um governo, nós achamos que o governo Lula faria isso, e não fez absolutamente nada disso, ao contrário, está tirando dinheiro da saúde. Mas se nós tivéssemos um governo que encarasse isso de uma forma que respondesse aos interesses da maioria da população, dos trabalhadores, nós teríamos um sistema que seria majoritariamente público. A nossa luta é fazer um movimento para refortalecer e ampliar ao máximo o setor público dentro da área da saúde, tanto na assistência, na questão direta do leito, do exame, quanto na produção de insumos. O Brasil não produz medicamentos. Aqui em Porto Alegre, nós temos uma fábrica perto da PUC, aqui na Avenida Ipiranga, o laboratório da LAFERGS, o laboratório farmacêutico do estado que existe há mais ou menos 20 anos e que não produz praticamente nada, não produz nada de significativo, produz algumas coisas secundárias e serve mais como embalador, compra o medicamento e faz a embalagem. Não se produz medicamentos, nenhum tipo de equipamentos, não se produz ortese e prótese, que é uma área em que a iniciativa privada fatura horrores de dinheiro, inclusive com falcatruas. Já tiveram escândalos com empresas que fazem ortese e prótese na área de ortopedia e que são produtos, às vezes, de péssima qualidade. Além de ser privada, ela é de má qualidade.
O Parcial – Qual o principal problema da saúde no Brasil hoje?
Lúcio Barcelos - A abordagem, que via de regra é feita, mesmo pelo pessoal que trabalha na área da saúde, é uma abordagem que para mim é limitada, ela é conjuntural. Todas as entidades ligadas à área da saúde, médicos, enfermeiros, odontólogos, enfim, pessoal de nível intermediário fazem um movimento focando o problema na questão do financiamento do sistema de saúde, como se resolvido o problema do financiamento, se resolvesse o problema da saúde no Brasil, combinado isso com o problema de gestão. Existe uma ineficiência na gestão, ela é ineficiente, ineficaz e existe uma insuficiência de recursos. Tem um camarada que usa muito essa fórmula de eficiência-eficácia, o Gilson Carvalho, que é um pediatra de Campinas, que é um velho militante da área da saúde que combina muito essas duas questões. Todo o movimento tem como foco essas duas questões: financiamento e gestão. Eu parto de um pressuposto de que isso são decorrências, esses são problemas conjunturais. Eles existem e precisam ser resolvidos, mas tem um problema anterior que é o problema ligado à estrutura, à natureza do sistema. O sistema brasileiro tem uma vocação, pela Constituição Federal, de ser um sistema, e isso está na constituição federal, e isso vem da experiência de alguns países europeus que o Brasil copiou, de que o sistema de saúde no Brasil deveria, ou é e deve (ser) um sistema de saúde universal. Ou seja, todo cidadão brasileiro, independente de qualquer situação, tem direito de acesso à saúde. E à saúde não só assistência do ponto de vista mais imediato, a questão da consulta, do exame, da medicação, mas da saúde do ponto de vista mais amplo, entendendo a saúde como qualidade de vida, envolvendo aí a promoção, a prevenção, todas as outras políticas que permitem que as pessoas tenham um nível de saúde mais qualificado. Então, tem um problema preliminar, em relação ao financiamento e à gestão que é o problema da natureza do sistema.
O Parcial – E o SUS foi implementado como previu a constituição?
Lúcio Barcelos – Em 1988, quando houve um movimento dos trabalhadores para colocar na constituição que o sistema de saúde no Brasil seria universal, integral, as duas coisas. Ele é direito de todo cidadão e ele é integral, cada cidadão tem direito a tudo que abarca a questão da saúde. Isso foi formulado, foi aprovado na constituição de 88, foi reafirmado, regulamentado na Lei 8080, que é a Lei Orgânica da Saúde, ela regulamenta todo SUS. Nesse processo de definição de que o sistema seria um sistema único e de natureza pública, e um dever do Estado e um direito do cidadão, isso implicaria em que o Estado brasileiro, na época o governo que estava na época, 88-90, fizesse um movimento no sentido de ou colocar recursos para construir um sistema predominantemente público, ou seja, o Estado colocar dinheiro e construir hospitais públicos, fábricas de medicamentos, fábricas de equipamentos, toda essa estrutura que envolve a questão da saúde. Se o Estado tivesse feito isso e deixado o setor privado, a indústria da saúde de lado e tivesse construído um sistema público, a partir do pouco que tinha, ou feito um outro movimento de desapropriar, encampar um pedaço, uma parte do sistema privado, permitindo que o sistema público fosse majoritário e fosse predominante. A constituição prevê que os dois coexistam, mas ela diz que o sistema público é prioritário. O sistema privado é complementar ao público. Acho que é o artigo 199 que diz isso: pode haver a iniciativa privada, pode trabalhar na área da saúde, porém, ela é complementar ao público. Só que isso de fato, concretamente, não ocorreu.
O Parcial – E como estão distribuídos os leitos hospitalares?
Lúcio Barcelos – Vamos dar um exemplo: no RS, 75% dos leitos hospitalares são privados e 25% apenas são públicos. Em nível nacional, o dado que eu tenho é que 64% dos leitos são privados e o restante é público, 36% é público. Isso, evidentemente, se estende para outras áreas. Não é só o leito hospitalar que tem esse tipo de proporção. Isso se repete na área de prestação de serviço de meio diagnóstico, ou seja, todo esse grupo de gente que trabalha com serviços que fazem diagnóstico de imagem, raio X, tomografia, ressonância, proporcionalmente isso está muito mais na mão privada, do que na área pública. Em Porto Alegre, tem um fenômeno interessante. Em Porto Alegre, nós temos mais leitos públicos do que privados. São em torno de 5500 leitos e proporcionalmente em torno de 55 ou 56% dos leitos são públicos. Então tem menos leitos privados do que públicos. Porém, os leitos privados produzem mais dinheiro do que os leitos públicos. Isso mostra claramente que, mesmo em Porto Alegre tendo mais leitos públicos, os leitos privados estão concentrados naquelas áreas que pagam melhor. Tem menos leitos privados, mas eles arrecadam mais, cobram mais, o custo deles é maior para o sistema do que os públicos.
O Parcial – Quais alternativas são viáveis para o SUS?
Lúcio Barcelos - Se nós não fizermos um movimento social, um movimento dos trabalhadores, uma grande mobilização que force, ou que a gente tenha um governo, nós achamos que o governo Lula faria isso, e não fez absolutamente nada disso, ao contrário, está tirando dinheiro da saúde. Mas se nós tivéssemos um governo que encarasse isso de uma forma que respondesse aos interesses da maioria da população, dos trabalhadores, nós teríamos um sistema que seria majoritariamente público. A nossa luta é fazer um movimento para refortalecer e ampliar ao máximo o setor público dentro da área da saúde, tanto na assistência, na questão direta do leito, do exame, quanto na produção de insumos. O Brasil não produz medicamentos. Aqui em Porto Alegre, nós temos uma fábrica perto da PUC, aqui na Avenida Ipiranga, o laboratório da LAFERGS, o laboratório farmacêutico do estado que existe há mais ou menos 20 anos e que não produz praticamente nada, não produz nada de significativo, produz algumas coisas secundárias e serve mais como embalador, compra o medicamento e faz a embalagem. Não se produz medicamentos, nenhum tipo de equipamentos, não se produz ortese e prótese, que é uma área em que a iniciativa privada fatura horrores de dinheiro, inclusive com falcatruas. Já tiveram escândalos com empresas que fazem ortese e prótese na área de ortopedia e que são produtos, às vezes, de péssima qualidade. Além de ser privada, ela é de má qualidade.
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