quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Lei de adoção apresenta limitações

Caroline Berbick
Sancionada no dia 3 de agosto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nova lei deve agilizar o processo de adoção, mas problemas como a superlotação de abrigos e a falta de apoio à família ainda aguardam soluções.

Atualmente, 80 mil crianças e adolescentes brasileiros vivem em abrigos de acolhimento. Em Porto Alegre, os números são de 81 abrigos para 1.695 ocupantes - a maioria vítima de abandono ou maus tratos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o abrigo é uma medida de proteção que deve durar o menor tempo possível para não ferir o direito da criança/adolescente ao convívio familiar.

Trata-se de uma situação passageira que tem como um de seus objetivos refortalecer o vínculo familiar. Porém, uma série de fatores impedem essa transitoriedade e contribuem para a lotação das casas de acolhimento.

Muitas famílias não têm condições de receber os menores de volta, por estarem em situação vulnerável e por não receberem o apoio adequado para necessidades básicas como saúde, habitação e geração de renda. Somado a isso está o número reduzido de adoções de grupos de irmãos, de adolescentes e de crianças possuidoras de síndromes ou deficiências. A lentidão dos processos judiciais e o aumento do número de crianças em abandono, principalmente em função do crescimento do uso de crack, também contribuem para o agravamento da situação.

Despreparados para o grande número de crianças encaminhadas, os abrigos de Porto Alegre chegam a atender um número três vezes maior de crianças e adolescentes do que a capacidade inicial, têm pouco investimento do poder público e apresentam condições defasadas, conforme afirma a assistente social, Elisa Benedetto.

Novas regras
A nova Lei de Adoção, que deve entrar em vigor 90 dias depois de ter sido sancionada, procura soluções para esses antigos problemas. Uma das medidas estabelece que o tempo de permanência do menor no abrigo não pode passar de dois anos. Além disso, deve ser feito um relatório semestral para analisar as condições de retorno à família ou a possibilidade de adoção. A adoção pela família extensa - que se trata de tios, primos, avós - será priorizada.

A lei também cria um cadastro de crianças e adolescentes aptos para adoção e determina que todos que desejam ser pais substitutos devem fazer parte do cadastro de candidatos. Só não precisarão se cadastrar os parentes que já têm afinidade com a criança ou uma família que já tem tutela. Os candidatos a pais passarão por avaliação psicossocial e jurídica e terão um estágio de 30 dias de convivência com o menor antes da adoção.

Maiores de 18 anos, mesmo solteiros, podem adotar. A única exigência é que a diferença de idade entre a criança e o responsável substituto seja de pelo menos 16 anos. A medida que regulamenta a adoção por casais tem provocado polêmica. Ela estabelece que somente casais com contrato de união estável ou união civil estão aptos a adotar, o que exclui casais homoafetivos, que não têm união legal reconhecida pelo país.

A Procuradora de Justiça do Ministério Público do RS, Maria Regina Fay de Azambuja contrapõe: “A lei não veda a adoção por homossexuais. Apenas não traz um dispositivo expresso afirmativo, mas ela não nega. Isso não é empecilho para a adoção”. Ela diz ainda que qualquer pessoa, independente da orientação sexual, está apta a adotar desde que passe pelo processo de habilitação.

Colocando em prática
A nova lei impõe prazos para os processos judiciários e diminui a burocracia. Tais medidas têm potencial para agilizar o seguimento da adoção, mas não resolvem o problema de lotação dos abrigos e do aumento do número de crianças em estado de abandono. Para a procuradora Maria Regina, o ideal é intensificar os programas de assistência às famílias, com atendimento intensivo e visitas domiciliares. A nova lei reforça a responsabilidade do Estado em chegar à família antes que o problema fique crônico e que o abandono se torne inevitável: “É um desafio enorme, mas nós temos 20 anos de constituição e já estava na hora de assumi-lo. Se cumprirmos essa diretriz da lei, vamos gastar menos do que se gasta depois com uma criança ou adolescente que fica num abrigo até os 18 anos e sai de lá com muitas carências, muita dificuldade de enfrentar a vida”, afirma a promotora.

Em Porto Alegre, das 1.695 crianças/adolescentes que vivem em abrigos, 816 têm mais de 10 anos. Sem terem os processos judiciais concluídos para estabelecer se voltam para a família ou se vão para a adoção, às vezes acabam ficando no abrigo até completar 18 anos de idade.

A permanência exagerada nos abrigos também acontece com os adolescentes aptos para adoção. A grande maioria dos brasileiros que desejam adotar prefere crianças de até três anos de idade. Com a maioridade atingida, os adolescentes recebem algum apoio do Estado para morar com grupos de jovens ou conseguir um emprego. Muitas vezes, sem alternativas, acabam voltando para a família.

O grupo de crianças ou adolescentes que possuem particularidades como o vírus HIV, deficiência ou síndrome, representa 77,29% dos aptos para adoção em Porto Alegre. Porém, das 75 adoções efetuadas na capital desde o início deste ano, apenas 10 foram de crianças possuidoras destas características, segundo o site do Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre. Frente a essa fragilidade, o Juiz José Antônio Daltoé Cezar, da Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, admite: “A lei não tem solução para todos os casos”.

Além de ter a efetividade limitada, a lei depende principalmente da boa vontade do poder judiciário para ser colocada em prática, como lembra a procuradora Maria Regina Fay de Azambuja: “Fazer com que essa lei provoque essa mudança, que a gente assimile a mudança e lute pela implementação que é o desafio maior. Nós temos a tendência de deixar as coisas como estão porque dá trabalho, porque tem que pensar em coisas que ainda não foram pensadas”.

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