quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Violência e sangue no pós-guerra

Leila García
Tiros, bombas, sequestros, assassinatos e sangue tingiram a história do mundo e a trajetória da extrema-esquerda alemã no final da década de 60. Protestos juvenis por justiça e paz transformaram-se em ações armadas. Um grupo em especial causou o terror em escala internacional, a Fração do Exército Vermelho (RAF). O terrorismo na Alemanha Ocidental ganhou diversas versões para o cinema, foi retratado nas artes plásticas e na moda, sendo um marco na história, memória e imaginário do povo alemão.

Em 2008, a RAF ganhou nova representação para o cinema, indicado ao Oscar de 2009, chega aos telões brasileiros “O Grupo Baader-Meinhof” (Der Baader Meinhof Komplex), do diretor Uli Edel. O filme adaptado do livro homônimo, do jornalista Stefen Aust é uma ficção, logo, é natural esperar ver um lado mais humano, que possa sensibilizar o público. O longa-metragem tenta se aproximar ao máximo da realidade sem criar heróis ou vilões. Aust, em entrevista a agência de notícias alemã Deutsche Welle demonstra satisfação com o resultado, ele que conviveu de perto com membros do grupo, ressalta a importância de lembrar que “terrorismo é terrorismo e as pessoas às vezes se esquecem disso”.

A atração em torno do grupo se dá porque a sua luta contra um sistema opressor tinha motivações políticas e ideológicas ao mesmo tempo em que adotava medidas cruéis como forma de ação. A sufocação política, social e cultural era a realidade nos países industrializados, a chamada “sociedade do conformismo”. A ocupação militar de bases alemãs por tropas americanas, inglesas e francesas foi mais um agravante para os protestos populares, pois, representavam pontos estratégicos na guerra do Vietnã. O clima mundial era de revoltas armadas nos países latinos e conflitos no Oriente Médio.

Grupo Baader-Meinhof
A trajetória do grupo terrorista RAF é trazida através de cenas entrecortadas da realidade de seus membros e de acontecimentos na Alemanha Ocidental e no mundo. O assassinato do manifestante Benno Ohnesorg na visita do líder iraniano a Berlim, motiva um primeiro ato violento. Enquanto Ulrike Meinhof (Martina Gedeck) discursava em canais abertos contra ações do governo e da mídia, Gudrun Ensslin (Johanna Wokalek) e Andreas Baader (Moritz Bleibtreu) passavam dos protestos ao planejamento de atentados e fabricação de bombas. Baader, Ensslin e Meinhof foram os mentores da RAF seguindo o princípio de que “falar sem agir é errado”.

Panorama mundial
Acontecimentos de ordem mundial, como os assassinatos de Che Guevara e Martin Luther King situam o expectador temporalmente. De modo sequencial atos como o atentado nas Olímpiadas de Munique e ataques a regimentos de soldados norte-americanos demonstram as ações do grupo. Da defesa das causas libertárias, o grupo passa ao revide como solução, até o ponto em que lutam apenas por si próprios. Foi após a morte e prisão dos principais líderes que a segunda e terceira geração da RAF manteve o maior embate contra o governo, atos comandados pelas lideranças presas marcaram o chamado “Outono Alemão”. Foi nesse momento que a última tentativa de libertação dos líderes fracassou, o sequestro de um avião da Lufthansa junto a um grupo palestino foi detido pela policia alemã e a existência do grupo caiu na incerteza, tal como já estavam seus ideais.

Mídia
O filme utiliza as imagens e vozes da mídia na época como cortina de fundo. A mídia que é o alvo das críticas e de atentados, é também fomentadora das ações. A televisão leva a guerra para dentro dos lares criando uma tensão entre a população. Pelo mesmo meio de comunicação Meinhof ganha voz e dá base ao posicionamento de Ensslin. Em contraponto, estimula o ódio dos reacionários, como no caso do atentado contra o líder estudantil Rudi Dutschke, fato que motivou Meinhof a ingressar na luta armada. É também a mídia quem intitula o grupo como Baader-Meinhof. Para o professor de história da Ufrgs, Luis Dario Ribeiro, “a mídia demonizava e ao mesmo tempo espetacularizava o grupo para ter assunto e atender seus objetivos”.

Um sistema de vigilância e de controle do governo determinou a caçada aos terroristas. A RAF criou uma situação de guerra civil em que o terror e o medo estavam dentro e fora do grupo. “A população, mais do que aceitar, tinha medo. Um medo estimulado pelas campanhas proporcionadas pelo Estado e pelos meios de comunicação”, argumenta Ribeiro. Já Aust, o autor do livro, expõe que os membros do grupo perderam a visão da realidade, ao pensar que viviam num estado policial fascista. Ribeiro complementa que o grupo sempre foi tratado como uma quadrilha criminosa, “no máximo, a parte da população que não era contra via nas vítimas das ações pessoas comprometidas com o passado e estimuladoras da situação”.

Crítica
A crítica do cinema alemão enfatiza que mais uma vez, o foco do filme está nas personagens da RAF e não nas suas vítimas, que seria também a sociedade. Baader (2002) de Christopher Roth remonta a vida de Andreas Baader. Stammein (1985), de Reinhard Hauff, reconstrói o julgamento dos líderes do grupo. A personalidade de Gurum Esslin é descrita em O Tempo de Chumbo (Die bleierne Zeir, 1981), de Margarethe Von Trotta. Já os efeitos do terrorismo na sociedade aparecem através dos filmes do diretor Volker Schlöndorff, como Alemanha no Outono (Deutschaland im Herbst, 1978) e A Honra Perdida de Katharina Blum (Die verlorene Ehre der Katharine Blum, 1975).

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