terça-feira, 2 de setembro de 2008

Protesto é crime!

Felipe Baierle e
Mauricio Bosquerolli

Quem é que nunca ouviu aquela frase: – Vão trabalhar seus vagabundos - gritada por algum transeunte aos manifestantes que ocupam as ruas para reclamar ao poder público o cumprimento constitucional dos direitos da maioria?
Ou quem nunca leu em alguns jornais que – Uma manifestação pública está interrompendo o trânsito, atrapalhando a população? Quando há uma greve, por exemplo, qual é o status que é dado a esse movimento pela mídia e pelas “autoridades”?
Os mesmo grupos continuam afirmando que a paralisação só traz prejuízos à sociedade. Quais prejuízos não são maiores senão aqueles causados pelos motivos que fazem milhares de homens e mulheres levarem às últimas conseqüências suas convicções de que precisam se mobilizar para garantir a dignidade e efetivação, pelo menos, dos direitos sociais garantidos na Constituição? Saúde, educação, terra, trabalho, moradia, segurança, lazer, cultura, enfim, tudo aquilo que a gente sabe ou deveria saber que é um direito assegurado na Constituição, mas o Estado não cumpre.
Em entrevista concedida para O Parcial, a presidente do CPERS, Rejane de Oliveira, explica os motivos que a classe dos professores tem para estar descontente: “Como nós nos manifestamos contra essa política de desmonte e a política de falta de atendimento à população, o Governo responde tentando passar para a sociedade a questão de que os movimentos sociais cometem crimes, quando nós estamos usando do nosso direito, estabelecido pela constituição, que é o direito à manifestação”.
Ou alguém tem dúvida de como todas essas questões são dramáticas para a maior parte do povo?
Existem segmentos sociais que propõem o debate sobre o futuro do país. São estudantes, trabalhadores de várias categorias do setor público e do setor privado, desempregados, artistas e sem-terra organizados em movimentos. Eles vão para rua reinvidicar.
Há, porém, instituições e classes sociais que encontram argumentações para transformar um ato democrático em crime. É o caso do coronel Paulo Mendes, comandante geral da Brigada Militar. Ele diz considerar legítimas as manifestações populares, entretanto, define os métodos empregados nas passeatas, bloqueios e ocupações, tal como delitos. “Invasões de propriedade, danos ao patrimônio público e privado são delitos que devem ser combatidos pela Brigada Militar”, afirma Mendes.
O comandante parece atento aos preceitos constitucionais: “Até por que, a Brigada Militar tem a atribuição constitucional da polícia ostensiva preventiva”. Na prática, a leitura que o coronel faz é da manutenção da ordem. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se transformou nos últimos anos no principal destino de toda essa “ostensividade constitucional”.
A agressão se materializou nos fatos ocorridos no dia 4 de março na fazenda Tarumã, onde 900 mulheres foram despejadas e 50 delas feridas à bala de borracha e estilhaços de bomba pela Brigada Militar. Ou como no dia 12 de junho, quando a polícia prendeu manifestantes do MST que protestavam em um supermercado da rede Wall Mart, em Porto Alegre.
Ainda na capital, no dia 18 de março, em ação ordenada por Mendes, na época subcomandante, professores e estudantes foram presos ao tentar ocupar o Centro Administrativo do Estado. Não sendo suficiente toda a violência utilizada, a BM (Brigada Militar) deteve um estudante durante protesto contra a corrupção em frente à nova casa da governadora Yeda, no dia 30 de junho.
Sim, aquela mesma que pode ter sido comprada com sobras do dinheiro das estatais investido (ou desviado?) na sua campanha em 2006, cujas práticas de financiamento já foram bem explicadas pelo ex-secretário Cesar Buzatto. Mendes não admite exageros por parte dos movimentos sociais.
Quando questionado se a BM atua de forma violenta, o coronel desconversa: “Também vislumbro exageros, quando na fazenda Southal foram mortos animais domésticos, cães, gatos e gatinhos e jogados no poço de água que abastece (ou abastecia) a fazenda. Isso para nós é exagero.”
No polêmico processo movido pelo MPE (Ministério Público Estadual) em conjunto com a BM, que veio à público em junho desse ano, se sagrou mais uma vez a política do medo. Parafraseando o período da ditadura militar brasileira, objetiva-se com tal processo, a dissolução de um movimento social legítimo, o MST.
As alegações seguem margeando os mesmos argumentos utilizados pelos militares nas décadas de 1960 e 1970. A “segurança nacional”, novamente como pretexto para realização de interesses políticos antagônicos aos da classe trabalhadora.Baseado nesse processo, o MPE criou “áreas especiais” no Rio Grande do Sul, onde não é permitida reunião, manifestação ou ocupação por parte dos movimentos sociais.
As razões alegadas estão, entre outras, baseadas em denúncias de que o MST teria ligações com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e que estaria ocupando pontos estratégicos do RS para fins escusos.
Denúncia que foi investigada pela Polícia Federal, que concluiu inexistirem vínculos com as FARC ou a prática de crimes contra a segurança nacional.Ora, como pode uma resolução de um órgão estadual ser mais relevante que a carta máxima das leis brasileiras, a Constituição Federal?
O Estado, que coloca a lei como seu princípio maior, princípio pelo qual explica as recorrentes surras em manifestantes, é o primeiro a esquecer todos os direitos do cidadão, quando isso lhe convém. Mas, os movimentos não se calarão.“Decidimos não nos acovardar.
Desde 1988, quando cai definitivamente a ditadura no país, vivemos em um estado democrático que permite a livre manifestação, a livre organização e o direito de reunião”, expõe um militante do MST, presente na recente ocupação ao prédio do INCRA.
Apesar do susto trazido pela ação inconstitucional, os Movimentos Sociais seguem acreditando na possibilidade de construção de um mundo mais justo e democrático.
Para o sem terra, “o acesso a terra é um direito humano fundamental, portanto, mesmo o direito a propriedade privada não nos impede de fazer as nossas lutas. A constituição está do nosso lado. Nós rompemos com a ditadura há 20 anos ela não vai voltar agora”.

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