sexta-feira, 22 de maio de 2009

Um país de brancos: a vida dos imigrantes africanos na Argentina

Carolina Soares Marquis
Daniel está de segunda a segunda na labuta. Passa os dias lutando para aprender o Espanhol, que não é sua língua mãe. Se retrai ante as primeiras perguntas e só depois de duas ou três tentativas aceita conversar sobre sua travessia pelo Oceano Atlântico. De toda maneira, Daniel como todos os demais, disse que prefere não revelar seu sobrenome.

Ele é apenas um dos imigrantes africanos que, segundo dados que constam no Coincet (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas Y Técnicas), configuram na Argentina uma população de cinco a dez mil habitantes.

Daniel veio só de Gana há sete anos. Um ano depois de ter vindo, chegou também sua mulher e filho que, quando o tinha deixado na África, ainda estava mamando no peito. Vieram em busca de novas perspectivas econômicas e também para que seu filho e eles tenham um futuro melhor, oportunidade de ter uma boa educação e melhores condições de vida.

Aos 40 anos se dedica a vender relógios, pulseiras e produtos similares na rua, em frente ao Centro Comercial Abastos. Ao seu lado está seu conterrâneo Sam, que chegou a Argentina vindo de Gana a quatro meses e precisa do amigo Daniel para comunicar-se com seus possíveis consumidores. Sam não sabe se terminará sua imigração aqui, na Argentina, ou se continuará rumo a outro país.

– As pessoas não me tratam muito bem aqui. Já escutei muitos comentários referentes a minha cor. Nem sempre entendo o que dizem, mas pelo tom da voz me dou conta que não me dizem coisas lindas – confessa o jovem de apenas 20 anos.

Miriam Gomes, pesquisadora da Sociedade Caboverdana, disse que uma das características da última onda migratória é que muitos dos imigrantes “vêm, mas se vão em seguida”, em uma renovação constante da população africana.

“Chegam todos os dias”, disse Miriam que, através de seu trabalho na Sociedade, supõe que a maioria dos africanos chega pela fronteira com o Brasil.

Não existem números que detalhem a quantidade de africanos que chegam a Argentina, mas a estimativa é de que seria ao menos um por dia. Dessa maneira é facilmente visível nas ruas de Buenos Aires a grande quantidade que vem ao país para dedicar-se ao comércio de rua com suas bugigangas sobre barracas ou sobre bancos de praça. Esta é a solução para sua sobrevivência.

Na esquina da frente, alguns metros à esquerda está Steve, que vive na Argentina há um ano e três meses. Steve tem a fala fácil e rápida e está muito confortável ao lado de dois de seus amigos africanos. Ele conta que viveu os quatro últimos anos no Rio de Janeiro.

– Vim à Argentina porque aqui é mais fácil conseguir os papéis para o visto, mas eu amo o Brasil. As pessoas lá são muito diferentes dos argentinos. Tenho muitos amigos brasileiros e nenhum argentino – relata Steve.

Entre os três coincide a mesma opinião sobre os argentinos: “Não são pessoas muito sociáveis. Não com nós, pelo menos”. Sentem que os argentinos os temem. Nenhum tem amigo local e todos os companheiros são também imigrantes.

Mesmo que não seja um trabalho fácil, nenhum dos três reclama dos resultados econômicos que obtém.

– Eu vivo com mais três amigos aqui. Estamos um pouco apertados, mas eu não posso dizer nada. Se o vendedor sabe como se aproximar das pessoas esse trabalho trás bons resultados – explica Steve.

Segundo o Senso de 2001 realizado na Argentina, 4,9 % da população provém de paises limítrofes, mas a pesquisadora Miriam explica que a imigração africana na Argentina tem aumentado muitíssimo nos últimos anos “sobretudo depois da queda do Muro de Berlim e ante a uma Europa que se mostrou mais racista do que nunca”.

– Dizem que nós que viemos da África já somos algo entre dez mil – Steve se pergunta com um tom de exaltação – Mas, se somos dez mil, onde estão os negros nesse país de brancos?

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