Por Mauricio Bosquerolli
Mais do que entender o desespero de investidores pelo declínio acentuado dos papéis nas bolsas de valores, a gênese da crise financeira serve para evidenciar um período histórico, um momento do desenvolvimento da economia capitalista.
O encadeamento durante as últimas cinco décadas da expansão do setor financista que culminou com a situação atual é, de qualquer forma, peça fundamental, mas não exclusiva dessa explicação.
Será que ninguém sabia que isso iria acontecer? Talvez a omissão de alguns e o oportunismo de outros, ou ainda a incompetência tenham gerado um quadro tão degradante. Mas não foi por falta de aviso que a economia mundial traçou um caminho, ao que parece iniciar-se, para o precipício.
Sem dogmatismos, mas com uma inspiração lúcida e consciente, as teses do velho Marx caem como uma luva. “O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital; é o fato de que, nela, são o capital e a sua própria valorização que constituem o ponto de partida e a meta, o motivo e o fim da produção.
O meio empregado - desenvolvimento incondicional das forças sociais produtivas - choca constantemente com o fim perseguido, que é um fim limitado: a valorização do capital existente". (O Capital – Karl Marx).
Marx previu no século XIX que a economia capitalista gerava sua própria “missão”, que é a de valorizar o capital infinitamente. Os limites dessa prerrogativa estão, por hora, aparecendo.
O economista francês François Chesnais compartilha essa premissa que alude a incapacidade do sistema de autocontrolar-se, já que, na busca incessante da realização da mais valia, choca-se com a realidade concreta, ou seja, com “forças sociais produtivas” que são limitadas.
Chesnais compara a crise atual com a de 1929, quando a bolsa de Nova Iorque quebrou e a economia estadunidense entrou em recessão e caiu mais de 25%. Porém, o fenômeno que vive hoje o complexo enredamento das finanças mundiais e as opções políticas tomadas nas últimas décadas dão peculiaridade ao presente colapso.
Após a Segunda Guerra Mundial, a tese neoliberal começou a ser gerada. Os países do centro capitalista, com o passar dos anos, e com o enfraquecimento do Estado Social, pressionaram e conseguiram a criação de um espaço livre de restrições para as operações do capital, para produzir e realizar mais valias.
É o que se chama de processo de “produção para a produção”. A busca da retomada das taxas de lucro do período pós-guerra, declinantes a partir de meados dos anos 70, baseou-se principalmente na intensificação da produção com vistas apenas à valorização do capital, criando inclusive um aumento artificial da procura efetiva.
Essa é, segundo o teórico francês, a segunda possível razão para as perdas do mercado mundializado. A criação descontrolada de capital fictício através da emissão de títulos e ações com as sobras de investimento fez a bolha especulativa fragilizar-se e, o que muitos já diagnosticam, estourar.
Um exemplo concreto dessa ficção é a liquidez dos bancos, que agora precisam ser socorridos pelos Estados para repor o valor, descoberto com a crise, que não existia, era um valor falso.
As conseqüências concretas são o congelamento do crédito, o controle dos principais setores econômicos por grupos multinacionais e a queda da renda dos devedores. Por fim, a terceira diferença fundamental com 1929 é a extensão para a China de todo o sistema de relações sociais de produção do capitalismo, o que multiplica os fatores da crise.
A passagem da cadeia dos meios de consumo dos EUA para o país asiático gerou uma super-acumulação de capital. O aquecimento global também está alinhado a essa sistemática, já que o avanço chinês acontece de forma descontrolada e predatória na exploração dos recursos ambientais, favorecendo apenas a especulação.
É sem dúvidas, por essas razões, que se assiste hoje a uma crise sem precedentes na história. Porém, um saldo positivo pode-se encontrar em meio aos pessimismos mercadológicos. É a oportunidade mesma de questionar o mercado, questionar a lógica da produção para a produção que impede a orientação produtiva para as necessidades e o desenvolvimento pleno da humanidade.
Até mesmos os liberais mais ortodoxos estão admitindo o controle estatal para salvar seus negócios, mas os pacotes anti-crise contêm um perigo, pois não controlam o incontrolável, que é a necessidade infinita do capital se valorizar. Faz-se urgente, portanto, criar soluções estruturais, reguladoras e humanizadoras.
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Por que há crise
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